lunes, 18 de enero de 2016

Memorando em Chipre (Primeira parte)

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CHIPRE: HISTÓRIA DO FRACASSO POLÍTICO E ECONÓMICO DE UM PAÍS


OS MEANDROS DO MEMORANDO:  O CASO DO CYPRUS POPULAR BANK

CAPÍTULO PRIMEIRO: OS ANTECEDENTES DO CONTROLO SUPRANACIONAL (2006-2012)

INTRODUÇÃO

No dia 19 de Novembro de 2014, o jornal americano "The New York Times" publicou o relatório da comissão de inquérito constituida por iniciativa do actual governo cipriota liderado pelo conservador Nikos Anastasiadis a fim de lançar luz sobre as razões que causaram o resgate do país no início de 2013. O documento, classificado como altamente confidencial, menciona fontes encontradas nos arquivos da Presidência da República e do Banco Central de Chipre para detalhar os pormenores da crise financeira e atribuir as respectivas responsabilidades a todos os sujeitos implicados. Também se salienta que a perda da soberania económica se deve à fase terminal do cancro que afectava o Cyprus Popular Bank, a segunda instituição de crédito da ilha. A notícia não foi tomada em consideração pelos meios de comunicação europeus com a excepção dos cipriotas.

OS MOTIVOS DO RESGATE

A origem do desastre começou em meados de 2006, quando o colosso financeiro britânico HSBC decidiu ceder 21,6% do Cyprus Popular Bank ao bilionário grego Andreas Vgenopoulos, proprietário da holding "Marfin Investment Group", um império empresarial que inclui companhias aéreas e marítimas, cadeias hoteleiras, clínicas privadas e lojas de fast food. Posteriormente, o magnata ateniense procedeu à adquisição da participação maioritária na organização - que foi rebatizada como "Marfin Popular Bank" - e à criação de "Marfin Egnatia Bank", a sua subsidiária no território grego. Os problemas não tardaram a aparecer: uma auditoria encomendada à empresa de consultoria "Alvarez & Marsal" por parte do Banco de Grécia e do Banco Central de Chipre certificou os graves problemas de liquidez do Marfin Egnatia Bank cujos lucros cairam 68% até Março de 2009. No ano seguinte, a decisão do Parlamento Helénico de assinar o Memorando de Entendimento com os credores internacionais (UE-BCE-FMI) deu o golpe final no grupo bancário que foi absorvido por "Marfin Popular Bank" em 31 de Março de 2011. Assim, a segunda entidade financeira cipriota foi obrigada a gerir os maus activos gregos com conseqüências imprevisíveis para a economia da ilha. A operação foi homologada pelo Tribunal Provincial de Nicósia e pelo acordo tácito do Banco Central de Chipre que renunciou a exercer as suas funções de controlo em conformidade com o disposto nos artigos 7 e 30 da Lei de funcionamento das instituicões de crédito que proibem que um banco localizado no pequeno País mediterrâneo mantenha sucursais no estrangeiro sem o consentimento dos órgãos competentes que, além disso, têm que garantir a sua solvência. Recentemente, a Unidade de Investigação da Polícia cipriota solicitou às autoridades gregas que Andreas Vgenopoulos e seus colaboradores Eythymios Bouloutas e Kyriakos Mayiras fossem processados por administração danosa, fraude e legalização de dinheiro proveniente de atividades criminosas. Segundo as fontes, as perdas do Marfin Egnatia Bank são devidas ao facto dos três utilizarem o banco para proporcionar financiamento ilegal a outras empresas que pertenciam a "Marfin Investment Group".

O "ANNUS NEFASTUS" DE 2011

Desde o final de 2010 as principais organizações financeiras cipriotas estavam na mira das agências de rating pela exposição excessiva à Grécia. A situação precipitou-se a partir de Outubro de 2011 quando a cimeira da União Europeia deu luz verde para perdoar 50% da dívida soberana de Atenas. Enquanto isso, os membros do Conselho de Administração do Marfin Popular Bank, abalados pelos acontecimentos, procuraram fortalecer os laços com o Banco Central de Chipre para obter injeções maçicas de liquidez, algo que foi rejeitado pela ausência de medidas de choque eficazes a fim de encarar a emergência. Em 31 de Outubro o organismo supervisor do sistema financeiro nacional publicou um relatório condenatório contra Vgenopoulos e seus parceiros incapazes de tomar as medidas correctivas necessárias num momento em que o défice se situava em 5.768.000.000 de euros e a percentagem de reservas em euros e moedas estrangeiras (Tier Core 1) alcançava 4.9% e 5.73%, bem abaixo dos níveis mínimos exigidos (20% y 70% respectivamente). Conseqüentemente, Andreas Vgenopoulos deixou o cargo de presidente não executivo da entidade em 4 de Novembro e duas semanas mais tarde o Conselheiro Directivo Eythymios Bouloutas entrou em contato com o então Ministro das Finanças Kikis Kazamías para que Nicósia aceitasse desembolsar 1.5-2 mil milhões de euros para recapitalizar o Marfin Popular Bank. As dos partes chegaram a um acordo conforme as seguintes condições:

A) Avaliação dos activos do Marfin Popular Bank por parte do executivo cipriota; 

B) Minimização do impacto sobre os contribuintes.


A materialização deste plano foi impedida pelo Banco Central de Chipre que acusou Bouloutas de graves negligências frente à fuga de depósitos que ascendeu a 598 milhões de euros entre os dias 7 e 25 de Novembro de 2011. O alto dirigente grego não teve outra opção senão apresentar a sua demissão.




AS ESTRANHAS RELAÇÕES ENTRE O GOVERNO E O BANCO CENTRAL DE CHIPRE: A LEI DE GESTÃO DAS CRISES FINANCEIRAS 

No dia 1 de Maio de 2012 Athanasios Orfanidis, que naquela época desempenhava funções de Governador do Banco Central de Chipre, fez estas declarações perante a Comissão de Economia do Parlamento de Nicósia: "Conhecíamos as cifras, conhecíamo-las absolutamente. Todos os números tinham sido publicados, todos os números estavam na mesa. De qualquer maneira, eu não sei se o Presidente da República - que era então o comunista Dimitris Christofias - quis que tomássemos a iniciativa neste assunto". Após destacar a sua colaboração produtiva com o Ministro das Finanças Kikis Kazamías Orfanidis contradisse-se afirmando que nem ele nem Kazamías possuiam as atas da reunião do Conselho da União Europeia em que se deliberou remover 50% da dívida grega e, por isso, não foi possível perceber o problema na sua globalidade. Nessa altura, não é de estranhar que a classe dominante tente justificar seus própios erros, porém a realidade dos factos se encarrega de desmentir palavras vazias: o relatório anual de 2011 do Banco Central de Chipre demostrou que existia a máxima sintonia com o governo na adopção de medidas para dar oxigênio a um sistema econômico que estava à beira da falência. No final de Outubro de 2011 o Conselho de Ministros aprovou a Lei de Gestão das crises financeiras que previa que o Estado se comprometesse em apoiar o Marfin Popular Bank reservando-se a possibilidade da sua adquisição e o Banco Central de Chipre garantisse a prestação de assistência sob a forma de liquidez em caso de emergência (ELA, Emergency Liquidity Assistance). Em poucas palavras, um resgate encoberto do País. O texto foi enviado no dia 20 de Outubro ao Banco Central Europeu que manifestou a sua desconformidade de acordo com os seguintes critérios:



A) A assistência de liquidez de emergência (ELA) é uma medida excepcional aplicada pelos Bancos Centrais dos Estados-Membros da União Europeia para cobrir as necessidades pontuais de capital de organizações financeiras solventes. O Marfin Popular Bank não se encaixava nesse perfil. 



B) O governo cipriota só tinha que recorrer ao endividamento interno para nacionalizar o Marfin Popular Bank. Esta solução tinha que ser rejeitada porque os cofres públicos estavam vazios.  



C) A lei violava o artigo 123 do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia que proibe o financiamento monetário de Estados e empresas governamentais - salvo as instituições de crédito - pelos Bancos Centrais Nacionais e pelo BCE. É evidente que a nível comunitário forjou-se um quadro jurídico que constitui a base legal para os Memorandos de Entendimento. O processo que desemboca no primado da economia sobre a política já é irreversível, apesar das mensagens de redenção ditadas por alguns "salvadores" aparecidos recentemente na Espanha e na Grécia. 


O executivo cipriota não atendeu às advertências do BCE e promulgou a lei que foi publicada em 30 de Dezembro de 2011 no Diário da República. 

AS GRAVES RESPONSABILIDADES DE ORFANIDIS E DO GOVERNO (FEVEREIRO - ABRIL DE 2012)

O começo de 2012 marcou a morte clínica de Marfin Popular Bank que a partir do mês de Abril retomou seu nome original (Cyprus Popular Bank). No final de Fevereiro foi publicada a contabilidade provisória da entidade que fechou 2011 com perdas no valor aproximado de 3,3 mil milhões de euros. A firma de auditoria Pricewaterhouse-Coopers recusou-se a dar a sua aprovação sem garantias específicas por parte do governo cipriota. No entanto,  Orfanidis recorreu a artifícios dialéctico-financeiros para justificar o ELA perante o BCE a quem enviou a documentação fornecida pelo Departamento de Inspeção do Banco Central de Chipre que certificou a solvência da organização e o novo Conselheiro Directivo de Marfin Popular Bank Christos Stylianidis pediu apoio ao Ministro das Finanças Kikis Kazamias para proceder a um aumento de capital de até 1.800.000.000 de euros. Como admitiu Andros Kyprianou, o secretário geral do Partido Progressista do Povo Trabalhador (AKEL) que na época governava o País, a decisão de facilitar a injeção de dinheiro público na instituição teve essencialmente um caráter político apesar das divisões existentes nessa formação a respeito deste tema. O BCE não tardou a formular suas dúvidas sobre a viabilidade da operação porque Nicósia tinha sido excluida do mercado em Maio de 2011. Então, Orfanidis teve que desempenhar novamente o papel de "Pai da pátria": no dia 12 de Abril assegurou ao BCE que Cyprus Popular Bank obteria lucros líquidos de 1.600.000.000 de euros uma vez terminado o período de dois anos de recessão na Grécia e em Chipre (2012-2013). Em conclusão, as previsões de Orfanidis não tinham nenhuma correspondência com a realidade já que o grupo bancário não conseguiu tais ganhos nem na "época dourada" da bolha financeira.  O processo de descomposição da empresa se encontrava numa fase muito avançada um ano e meio antes do resgate oficial do País (Março de 2013). No próximo capítulo serão examinadas as manipulações do BCE. 


Antonio Giovetti

Imagens: informatitalia.blogspot.com, theeconomiccollapseblog.com


Fontes 

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