sábado, 31 de diciembre de 2016

Efeitos Memorando (Terceira parte)

CAPÍTULO PRIMEIRO | CAPÍTULO SEGUNDO |


CHIPRE: HISTÓRIA DO FRACASSO POLÍTICO E ECONÔMICO DE UM PAÍS

OS EFEITOS COLATERAIS DO MEMORANDO: A VENDA A PREÇOS DE SALDO DAS SUCURSAIS GREGAS DOS BANCOS CIPRIOTAS

CAPÍTULO TERCEIRO: O PERFIL DO BANCO DO PIREU E AS RAZÕES PROFUNDAS DO SEU "SUCESSO" (MARÇO DE 2013)


INTRODUÇÃO

Desde a antiguidade clássica, a importância de uma gestão ética dos assuntos públicos tem sido salientada por filósofos e escritores em obras que preconizavam um modelo utópico de Estado onde os cidadãos mantinham uma atitude participativa. Na actualidade, a recuperação da centralidade da política - relegada a um papel marginal devido às estruturas sociais complexas - acaba por ser o principal objetivo de movimentos e partidos alternativos que ignoram que o problema é principalmente de natureza financeira e deve ser resolvido com as armas da economia.


OS DETALHES DA ESPOLIAÇÃO: AS REACÇÕES DAS AUTORIDADES CIPRIOTAS 

O acordo com o Banco do Pireu para a venda das sucursais gregas do Banco do Chipre, do Cyprus Popular Bank e do Hellenic Bank se enquadrava num plano de redução drástica do tamanho do sistema bancário cipriota que superava sete vezes as dimensões reais da economia nacional. A operação foi saudada com entusiasmo pelo ex-governador do Banco Central do Chipre Panikos Dimitriadis que afirmou que o negócio tinha fechado em termos satisfatórios para os interesses do País já que o montante arrecadado (524 milhões de euros) correspondia a 66% do valor estimado dos três bancos. No entanto, Dimitriadis caiu em uma contradição óbvia ao admitir que cerca de 500 milhões tinham sido devolvidos aos credores (BCE / Banco Central de Chipre), que em 2012 tinham concedido a Cyprus Popular Bank uma linha de crédito extraordinária (ELA, Assistência de liquidez de emergência). Além disso, altos funcionários do Ministério da Economia jogaram um balde de água fria no otimismo das elites financeiras cipriotas observando que as condições de venda eram muito melhoráveis. Além disso, os máximos dirigentes do Banco do Chipre lamentaram que a liquidação das suas sedes gregas tivesse gerado perdas de cerca de 2 bilhões de euros. 

O convênio foi ratificado "ipso facto" pela Direcção-Geral da Concorrência da Comissão Europeia.



O COMUNICADO OFICIAL DO BANCO DO PIREU E OS BENEFÍCIOS ECONÔMICOS DA AQUISIÇÃO

Após a conclusão das negociações, os membros do Conselho Executivo do Banco do Pireu afirmaram que a venda tinha sido proveitosa tanto para a entidade que assim expandia a sua rede na Grécia, como para as três instituições de crédito cipriotas que tinham cobrado uma quantia muito maior que a que tinham recebido outros bancos estrangeiros para transferir a terceiros suas atividades em território helénico. Para este fim, deve-se notar que o comprador obteve um lucro líquido de 3,6 mil milhões de euros, devido, principalmente, ao fato de que a quantidade paga pela aquisição das sucursais gregas do Banco do Chipre, do Cyprus Popular Bank e do Hellenic Bank foi muito menor do que o seu valor de face (a diferença foi calculada em cerca de 3,4 mil milhões de euros, o que na linguagem financeira é definido com o termo de deságio). 

As conversações com os licitantes (Alpha Bank, Banco Nacional da Grécia, Banco do Piréu e Banco Postal Helénico) foram abordadas pelo Fundo Helénico de Estabilidade Financeira que exigia que o processo de adaptação das três entidades cipriotas na nova realidade fosse completado com rapidez e eficácia. No seu comunicado oficial, o Banco do Pireu justificou sua escolha mencionando uma série de operações empresariais que resultaram na aquisição de mais de 15 grupos de crédito ao longo dos últimos 15 anos: o caso mais assombroso ocorreu no verão de 2012, quando o governo do conservador Antonis Samarás cedeu a essa companhia a parte boa do Banco Agrícola da Grécia para a módica quantia de 95 milhões de euros, enquanto o Estado, devastado pelas políticas destrutivas do Memorando, se comprometia a cobrir o risco de crédito. Na primavera de 2013, aconteceu outra façanha histórica: a absorção da subsidiária ateniense do Banco Comercial Português - que desde 2004 opera sob a marca "Millennium" - por um milhão de euros. O preço de venda tão baixo foi atribuído às enormes dívidas com a empresa-mãe que recapitalizou a sucursal através de uma injecção de 400 milhões de euros. Nesta altura, é necessário analisar os factores que determinaram o sucesso tão repentino de um banco que em 2012 tinha sido muito afetado pelo perdão de 50% da dívida soberana grega.


AS RELAÇÕES AMIGÁVEIS ENTRE OS DIRIGENTES DO BANCO DO PIREU E DO CYPRUS POPULAR BANK E A PASSIVIDADE DO BANCO DA GRÉCIA

Uma análise acurada sobre este escândalo deve ter em conta as regras não escritas que regem o funcionamento da sociedade grega e determinam a partição do poder entre aqueles que estão mais estreitamente ligados às famílias que têm dominado a cena política e económica do País nos últimos quarenta anos.

A história deste assunto muito obscuro remonta a 2001, quando o empresário grego Andreas Vgenopoulos, administrador da holding "Marfin Investment Group" adquiriu o Prime Bank, uma pequena entidade financeira de propriedade do Banco do Pireu, que foi renomeado Marfin Bank. Em 2006, o magnata ateniense assumiu 21,6% de Cyprus Popular Bank e reforçou o seu poder econômico: a fusão entre a instituição gerida por ele mesmo e os bancos Laikí e Egnatia resultou num novo sujeito (Marfin Egnatia Bank), que se tornou na subsidiária do grupo cipriota em território grego até a sua absorção ocorrida em 2011. Em Março de 2010, "Marfin Investment Group" emitiu um bônus pelo valor de 252 milhões de euros, que atraiu principalmente o interesse de empresas relacionadas com Vgenopoulos e o todo-poderoso Presidente do Banco do Pireu Michalis Sallas. No mundo das finanças a troca de favores é uma prática comum: uma auditoria encomendada pelo Conselho de Administração do Cyprus Popular Bank ao longo de 2012 certificou que no ano anterior Vgenopoulos tinha autorizado um empréstimo de 113 milhões de euros de modo a que Sallas pudesse aumentar as suas quotas de capital no Banco do Pireu. O dinheiro foi depositado em três empresas offshore (empresas localizadas em países com baixo nível de tributação a fim de ocultar a identidade de seu proprietário) cujos titulares eram Sallas e seus dois filhos. Desta forma, um conluio entre amigos com interesses comuns foi suficiente para destruir um País inteiro com a passividade do ex-Governador do Banco da Grécia Georgios Provopoulos (2008-2014), que precedentemente tinha ocupado as funções de Vice-Presidente do Banco do Pireu.

E a política? Em seu papel de espectadora, sem nenhum poder de decisão.



Antonio Giovetti 


Imagens: pseka.com, www.goldnews.cy



Fontes:

http://www.thepressproject.gr/article/73440

http://www.tovima.gr/finance/article/?aid=504372

http://www.expansion.com/agencia/efe/2013/04/22/18287002.html

http://www.nytimes.com/2013/06/11/business/global/a-wily-banker-reaches-the-top-in-greece.html?pagewanted=all&_r=2

http://kathimerini.com.cy/index.php?pageaction=kat&modid=1&artid=136855

http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-%2F%2FEP%2F%2FTEXT%2BWQ%2BP-2015-004670%2B0%2BDOC%2BXML%2BV0%2F%2FEN&language=ET

https://todossomosgriegos.wordpress.com/2013/02/04/grecia-pasok-y-nd-ante-la-autoridad-judicial-para-que-expliquen-su-enorme-deuda-el-escandalo-del-banco-agricola/

http://directnews.gr/economy/26299-hot-doc-o-attilas-3-exei-prosopo-trapezith.html

http://www.reuters.com/article/2012/07/16/us-greece-banks-idUSBRE86F0CL20120716

http://economico.sapo.pt/noticias/bcp-assina-acordo-para-vender-o-millennium-na-grecia_167543.html

http://www.bankofgreece.gr/Pages/el/Bank/Organization/governingbodies/provopoulos.aspx









jueves, 22 de diciembre de 2016

Efeitos Memorando (Segunda Parte)

CAPÍTULO PRIMEIRO | CAPÍTULO TERCEIRO |


CHIPRE: HISTÓRIA DO FRACASSO POLÍTICO E ECONÔMICO DE UM PAÍS

OS EFEITOS COLATERAIS DO MEMORANDO: A VENDA A PREÇOS DE SALDO DAS SUCURSAIS GREGAS DOS BANCOS CIPRIOTAS

CAPÍTULO SEGUNDO: AS NEGOCIAÇÕES COM OS PODERES FÁTICOS E A ESPOLIAÇÃO DO PATRIMÔNIO FINANCEIRO DO PAÍS (MARÇO DE 2013)


INTRODUÇÃO

"Meu País foi vítima de um saque friamente planejado. Roubaram 3,5 mil milhões de euros para enriquecer um banco grego. Confiscaram as poupanças dos cidadãos e o dinheiro dos aposentados. A Troika e o Eurogrupo decidiram antecipadamente a aplicação de medidas que tivemos que cumprir com uma arma apontada à nossa cabeça. Foi um dos maiores escândalos da história da zona euro". Esta declaração foi pronunciada por Nikolas Papadopoulos, lider do centrista Partido Democrata que tinha inicialmente apoiado as políticas de austeridade para depois assumir uma posição mais crítica sobre o assunto. O artigo vai destacar o contexto em que se materializou o plano do Banco Central Europeu descrito no capítulo anterior e as condições que obrigaram Nicósia a ceder ao Banco do Pireu a gestão e a propriedade das sucursais gregas do Banco do Chipre, do Cyprus Popular Bank e do Hellenic Bank.



A REUNIÃO DO EUROGRUPO DE 15/16 MARÇO DE 2013 E OS TERMOS DO RESGATE

A partir de 2010 as agências de classificação de risco alertaram as autoridades da pequena nação mediterrânea que seu sistema financeiro estava excessivamente exposto à crise grega. Ao longo de 2012, a redução de 50% do valor dos títulos soberanos de Atenas fez piorar notavelmente a situação dos cofres da ilha e a hipótese de um resgate pegou mais e mais força. O problema foi solucionado na reunião do Eurogrupo de 15/16 de Março de 2013 em que os Ministros das Finanças dos Países que tinham adoptado a moeda única impuseram a venda a terceiros das sucursais gregas dos bancos cipriotas em troca do empréstimo. Esta exigência se fundava nas seguintes razões:


A) A necessidade de travar o aumento desproporcional da dívida pública de Nicósia. Sem um programa de ajustamento, a Troika (UE-BCE-FMI) assumia que a quebra do Cyprus Popular Bank teria produzido um efeito dominó sobre a economia nacional;

B) A impossibilidade de provocar um "corralito" em instituições de crédito localizadas fora do País sem a anuência do Banco Central do Estado de acolhimento. Os credores temiam que a implementação desta iniciativa teria promovido uma fuga maciça de capitais na Grécia devastada por cortes draconianos. Assim, o Fundo de Garantia de Depósitos não teria podido cobrir os prejuízos causando a falência do sistema bancário cipriota.


Em 22 de Março de 2013 foi publicada a Lei de saneamento das instituições financeiras que atribuia ao Banco Central do Chipre o poder de liquidar entidades consideradas economicamente inviáveis. Segundo esta disposição, no dia 26 de Março o Governador Panikos Dimitriadis deu a sua aprovação à venda dos activos gregos do Banco do Chipre e do Cyprus Popular Bank e o Diretor-Geral do Departamento de Comércio Exterior do Hellenic Bank Petros Ioannidis assinou o acordo com os investidores.



AS CONVERSAÇÕES COM BRUXELAS E AS CONDIÇÕES DE COMPRA E VENDA

No início de Março de 2013 os representantes dos credores viajaram para o Chipre para ilustrar aos responsáveis políticos e financeiros locais as diretrizes do Plano Econômico do BCE à cuja aplicação estava sujeita a concessão do empréstimo. Depois de algumas conversas telefónicas anteriores, em 9 de Março uma delegação de funcionários do Banco Central de Chipre, do Ministério da Economia e da Troika foi a Atenas para negociar com as máximas autoridades do Banco da Grécia os termos da cessão, mas as partes exprimiram fortes discordâncias sobre a avaliação das carteiras de crédito das três entidades envolvidas na operação. Nessa altura, a iniciativa foi tomada pela Direcção Geral da Concorrência da Comissão Europeia que estipulou um contrato de venda através destes três pontos:


A) Realização de uma estimativa do valor das carteiras de crédito do Banco do Chipre, do Cyprus Popular Bank e do Hellenic Bank de acordo com as previsões de rentabilidade no cenário macroeconômico mais adverso por parte da empresa de investimento norte-americana PIMCO;

B) Partilha equitativa (50-50%) entre o comprador e o vendedor da quantia a ser paga (1,5 mil milhões de euros). Assim, as empresas-mãe tinham que contribuir para a recapitalização das suas sedes na Grécia;

C) Efectuação de um controle rigoroso sobre a concessão de crédito a particulares ou empresas. Além disso, estava prevista uma revisão dos dados elaborados pela PIMCO que incluisse as despesas de organização das novas entidades. Neste caso, o adquirente teria obtido um desconto de até 350 milhões de euros sobre o preço de venda.


O assunto foi discutido na reunião do Eurogrupo de 15/16 de Março de 2013. No dia seguinte, o Banco da Grécia entrou em contato com o Banco Nacional da Grécia, o Alpha Bank, o Banco do Pireu e o Banco Postal Helénico para sondar a disponibilidade deles para a aquisição em conformidade com as condições pactuadas com Bruxelas. Em 22 de Março a proposta foi aceita pelo Banco do Pireu que não teria arcado com os custos do negócio já que o dinheiro teria sido fornecido pelo Fundo Helénico de Estabilidade Financeira. Enquanto isso, também na ilha estava se desenvolvendo o respectivo processo burocrático: em 18 de Março o Departamento de Reestruturação Financeira do Banco Central do Chipre informou os altos dirigentes do Banco do Chipre, do Cyprus Popular Bank e do Hellenic Bank das decisões do Eurogrupo. Todos eles rejeitaram condições tão prejudiciais para os seus interesses. Apesar disso, a opinião deles não foi tomada em consideração.


O Conselho de Administração do Banco do Pireu não mostrou a sua conformidade com as cláusulas contratuais e exigiu a inclusão de um parágrafo sobre a possibilidade de pôr termo ao convênio caso o investimento para a reestruturação dos três grupos financeiros superasse os 350 milhões de euros. Como normalmente acontece, a economia manda e política obedece sem questionar: o então Comissário Europeu da Concorrência Joaquín Almunia, o ex-Primeiro-Ministro grego Antonis Samarás e o Presidente da República de Chipre Nikos Anastasiadis acordaram as seguintes mudanças que foram anunciadas na nova reunião do Eurogrupo agendada para o dia 25 de Março:


A) Ampliação do desconto de 350 para 450 milhões de euros;

B) Revogação da cláusula que dava ao comprador o direito de rever as estimativas da PIMCO;

C) Aumento até 67% do montante a ser pago pelo adquirente. Ao final de todo este processo o Banco do Pireu depositou 524 milhões de euros (o desconto anteriormente mencionado se aplicou ao preço final). 


Em Nicósia continuaram as negociações  entre representantes do Banco Central de Chipre e do Banco do Pireu na presença de membros da Troika, do Banco da Grécia e do Fundo Helénico de Estabilidade Financeira. A participação de funcionários das três instituições de crédito afectadas e das autoridades civis não foi considerada oportuna pela vontade expressa dos credores. Assim, o Banco do Pireu obteve:


A) As carteiras de crédito das sucursais gregas dos três bancos cipriotas. A PIMCO determinou o valor delas em 16,2 mil milhões de euros (3,1 mil milhões a menos que nos livros bancários);

B) A propriedade dos edifícios cujo valor alcançava os 250 milhões de euros;

C) Os direitos e obrigações inerentes aos depósitos cujo valor se situava em 15 mil milhões de euros na data de 15 de Março de 2013;

D) A gestão dos recursos humanos. Em Março de 2013 as sedes gregas dos três bancos cipriotas contavam com 5268 trabalhadores.


No próximo capítulo, o perfil do Banco do Pireu e as razões para a sua escolha serão analisados detalhadamente.


Antonio Giovetti. 



Imagens: 2.bp.blogspot.com, o vôo do corvo (4.bp.blogspot.com)



Fontes: 


http://www.thepressproject.gr/article/73440

http://www.efsyn.gr/arthro/promeletimeno-egklima-stin-kypro

http://www.euro2day.gr/news/economy/124/articles/765437/Article.aspx

http://www.tovima.gr/finance/article/?aid=504372

http://olympia.gr/2015/02/09/%CE%BD%CE%B9%CE%BA%CF%8C%CE%BB%CE%B1%CF%82-%CF%80%CE%B1%CF%80%CE%B1%CE%B4%CF%8C%CF%80%CE%BF%CF%85%CE%BB%CE%BF%CF%82-%CE%B8%CE%AD%CE%BB%CE%BF%CF%85%CE%BC%CE%B5-%CF%84%CE%B1-%CE%BB%CE%B5%CF%86/

http://www.cylaw.org/nomoi/indexes/2013_1_17.html 

miércoles, 7 de diciembre de 2016

Efeitos Memorando (Primeira Parte)

CAPÍTULO SEGUNDO | CAPÍTULO TERCEIRO |



CHIPRE: HISTÓRIA DO FRACASSO POLÍTICO E ECONÓMICO DE UM PAÍS

OS EFEITOS COLATERAIS DO MEMORANDO: A VENDA A PREÇOS DE SALDO DAS SUCURSAIS GREGAS DOS BANCOS CIPRIOTAS


INTRODUÇÃO

No começo do mês de março de 2015, o jornal digital "The Press Project" publicou a tradução grega de um artigo que tinha aparecido anteriormente no periódico berlinense "Der Tagesspiegel" graças à investigação minuciosa do jornalista alemão Harald Schumann. O texto denunciou um dos aspectos mais controversos do Memorando cipriota que obrigou as autoridades de Nicósia a ceder ao Banco do Pireu o controlo das sucursais gregas das três principais entidades financeiras da ilha - Banco de Chipre, Cyprus Popular Bank e Hellenic Bank - pela módica quantia de 524 milhões de euros. O escândalo assume dimensões consideráveis, se observamos que estas organizações geriam  depósitos de mais de 12 mil milhões de euros.

Na primeira parte da série dedicada a este tema se destacará a situação prefigurada pela Troika dois meses antes do resgate - ocorrido em Março de 2013 - através de um documento confidencial emitido pelo Banco Central Europeu. Nos capítulos seguintes, será detalhada toda a operação de acordo com o conteúdo do Relatório da Comissão de Instituições do Parlamento cipriota elaborado em Julho de 2013.



PRIMEIRO CAPÍTULO: O ROTEIRO DEFINIDO PELO BANCO CENTRAL EUROPEU (JANEIRO DE 2013)

Ao longo de 2012 a Troika (UE-BCE-FMI) alocou 40 mil milhões de euros do programa de ajustamento para recapitalizar os quatro bancos sistémicos gregos - Alpha Bank, Banco Nacional da Grécia, Banco do Pireu e Eurobank - e atenuar os efeitos ruinosos da remissão de 50% da dívida pública de Atenas. A medida não previa o financiamento das entidades cipriotas por não subjazerem à supervisão do Banco da Grécia. A crise atacava com cada veiz mais força a ilha e Nicósia contratou os serviços da consultora japonesa Nomura para sondar a possibilidade de liquidar a actividade internacional dos seus grupos financeiros. A iniciativa não foi bem sucedida porque os investidores gregos recusavam-se a empreender uma operação tão arriscada. A hipótese de um "corralito" que teria afetado a uma quarta parte (cerca de 3,7 mil milhões de euros) dos depósitos das sucursais do Banco do Chipre, Cyprus Popular Bank e Hellenic Bank na Grécia alarmou enormemente os credores. Para lidar com a eventualidade de uma fuga maciça de capitais e o provável colapso da moeda única, no mês de janeiro de 2013 o BCE elaborou um roteiro que incluia esses dois pontos:  



A) Mudança radical no regime jurídico das sucursais do Banco do Chipre, Cyprus Popular Bank e Hellenic Bank instaladas em território helénico que teriam se desvinculado da administração do Banco Central do Chipre para se convertirem numas entidades subsidiárias (filiais) controladas pelo Banco da Grécia. A venda delas teria imunizado o sistema financiero cipriota contra os riscos causados pela gestão dos activos tóxicos gregos e também teria reduzido o efeito contágio causado por uma eventual confiscação de depósitos;

B) Proibição da nacionalização delas pelo Estado grego e condicionamento do apoio financeiro à observação desta cláusula. Em caso de inadimplência, a Troika também teria sopesado a conveniência de denunciar Atenas perante o Tribunal da UE e a justiça internacional, conforme os termos acordados pelos tratados bilaterais em matéria de protecção de investimentos.





O ESBOÇO DO PROCESSO DE LIQUIDAÇÃO

O BCE elaborou um plano abrangente que compreendia as seguintes três alternativas:


A) Voluntary scenario (Cenário voluntário). Em tais circunstâncias, a venda teria ocorrido através da decisão da assembleia dos accionistas dos bancos envolvidos na operação. Potenciais compradores tinham que pagar uma quantia suficiente para cubrir as necessidades de financiamento das entidades presentes em território cipriota; 

B) Involuntary scenario I (Cenário involuntário I). Neste caso, o Banco Central do Chipre teria procedido à cessão das sucursais gregas em conformidade com as disposições da Lei de saneamento das instituições financeiras que estava prestes a ser aprovada pela Câmara de Representantes; 

C) Involuntary scenario II (Cenário involuntário II). Neste caso, o Banco da Grécia teria suspendido a atividade de grupos financeiros de outros Estados-Membros da UE no território grego de acordo com os poderes conferidos pelo artigo 65 da Lei 3601/2007. O BCE recomendou recorrer a esta opção apenas numa situação de extrema emergência.


Além disso, o órgão regulador das taxas de câmbio a nível continental delineou os perfis dos investidores que deviam ser:


A) Um banco comercial já estabelecido na Grécia;

B) Um banco recém-criado cujo capital fosse fornecido pelo Fundo Helénico de Estabilidade Financeira;

C) Um "banco-ponte" (banco de transição) que administrasse a parte boa das sucursais gregas das instituições de crédito cipriotas até que um comprador se encarregasse da gestão delas. No entanto, a medida não encontrava o favor de FRANKFURT devido ao carácter temporário dos "bancos-ponte" que não fazem parte do sistema da política monetária implementado pelo BCE.


OS DETALHES DO PROCESSO BUROCRÁTICO E AS INSTITUIÇÕES IMPLICADAS

A criação das filiais e sua transferência sucessiva ao controle privado estava enquadrada num processo burocrático muito complicado que abrangia os seis passos seguintes:


A) Anuência prévia do Banco da Grécia que exigia que os licitantes enviassem um plano de negócios e o organograma do Conselho de Administração e accionistas. A decisão final tinha que ser tomada no prazo máximo de 12 meses a contar da apresentação do pedido de aquisição após conversações formais com as autoridades cipriotas;

B) Transferência para as filiais de todos os direitos e obrigações inerentes aos activos financeiros que tinha que ser acompanhada do relatório de um auditor independente e da aprovação do Banco da Grécia;

C) Transferência para as filiais de todos os direitos e obrigações contratuais dos bancos cipriotas que podia exigir a aprovação do Banco Central do Chipre;

D) Necessidade de fornecer informações aos investidores conforme modalidades deliberadas pelas autoridades competentes;

E) A recapitalização urgente do Banco do Chipre, Cyprus Popular Bank e Hellenic Bank só tinha que ser garantida segundo as diretrizes do plano de resgate acordado com a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional através do sistema fast-track. Assim, as três instituições de crédito podiam acessar mais facilmente o financiamento do Banco Central do Chipre.

F) Caso as filiais tivessem precisado da assistência de liquidez de emergência (ELA), teria sido necessária a aprovação do Conselho do Governo do BCE a que também correspondia a decisão sobre a admissão de novas entidades nas operações de política monetária no âmbito do Eurosistema.


Mais uma vez, cargos técnicos não eletivos que tinham planejado cuidadosamente a evolução dos acontecimentos aniquilaram a vontade de uma classe política entregue exclusivamente a seus interesses e impuseram programas económicos inviáveis sob a ameaça de falência desordenada do País. Quem paga o pato?


Antonio Giovetti 




Imagens: europaciudadana.org, www.grecotour.com



Fontes:

http://www.sigmalive.com/news/oikonomia/211863/idou-to-sxedio-tou-kourematos-kai-ksepoulimatos-ton-trapezon

file:///C:/Users/usuario/Downloads/ecb_final.pdf%20(2).pdf

http://www.thepressproject.gr/article/73440

http://www.philenews.com/el-gr/top-stories/885/245044/apokalypsi-tagesspiegel-to-kourema-tou-2013-prokrithike-mines-prin

http://www.philenews.com/el-gr/oikonomia-kypros/146/245405/oloi-ixeran-gia-to-kourema-apokalyptikes-plirofories

http://www.efsyn.gr/arthro/promeletimeno-egklima-stin-kypro

http://www.euro2day.gr/news/economy/124/articles/765437/Article.aspx

http://www.tovima.gr/finance/article/?aid=504372

http://www.bankofgreece.gr/BoGDocuments/%CE%9D.3601-1.8.2007-%CE%91%CE%BD%CE%AC%CE%BB%CE%B7%CF%88%CE%B7_%CE%BA%CE%B1%CE%B9_%CE%AC%CF%83%CE%BA%CE%B7%CF%83%CE%B7_%CE%B4%CF%81%CE%B1%CF%83%CF%84%CE%B7%CF%81%CE%B9%CE%BF%CF%84%CE%AE%CF%84%CF%89%CE%BD_%CE%B1%CF%80%CF%8C_%CF%84%CE%B1_%CF%80%CE%B9%CF%83%CF%84%CF%89%CF%84%CE%B9%CE%BA%CE%AC_%CE%B9%CE%B4%CF%81%CF%8D%CE%BC%CE%B1%CF%84%CE%B1.pdf

https://www.ecb.europa.eu/ecb/legal/pdf/el_con_2013_10_draft_law_1.pdf